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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Jean Meslier (1664-1704), o padre anarco-ateu

«No início do século das Luzes, entre os verdadeiros precursores do anarquismo conta-se uma personagem admirável, Jean Meslier. Padre na aldeia de Étrépigny, na região francesa de Champanha, deixou à data da sua morte um volumoso manuscrito que contém a confissão do mais resoluto dos ateísmos e uma crítica às autoridades religiosas e políticas. Em 1762, Voltaire publicaria extractos do Testamento de Meslier, destacando, sobretudo, a sua faceta irreligiosa. Contudo, os ataques de Meslier visam tanto o poder político como a autoridade religiosa. Para ele, a religião e a política ajudam-se mutuamente: “Entendem-se como gatunos. [...] A religião apoia o governo político, por pior que este possa ser. O governo político apoia a religião, por mais estúpida e vã que esta possa ser.“.

Este sacerdote desejava que “todos os poderosos da Terra e todos os nobres fossem enforcados com as tripas dos padres“. [...]


Uma forma de livrar o povo dos seus dirigentes seria através do assassinato político: “Onde estão aqueles generais matadores de tiranos que vimos nos séculos passados? Onde estão os Brutos ou os Cássios? Onde estão os generais que mataram Calígula e tantos outros monstros semelhantes? [...] Onde estão os Jacques Clément e os Ravaillac da nossa França? Deviam viver ainda no nosso século, [...] para espancarem ou apunhalarem todos esses detestáveis monstros e inimigos do género humano e, deste modo, libertarem todos os povos da Terra do seu domínio tirânico!“.

O padre Meslier demonstrou ser contra a apropriação individual das riquezas da terra preconizando, assim, o comunismo social. No seu Testamento ele lança um verdadeiro apelo ao povo: “A salvação está nas vossas mãos. A vossa liberdade só depende de vós, se todos souberdes entender-vos. [...] Uni-vos, pois, povos, se sois sábios. [...] Começai por comunicar entre vós secretamente os vossos pensamentos e desejos. Divulgai por toda a parte, e o mais habilmente possível, os escritos deste tipo, por exemplo, que dêem a conhecer a todo o mundo a vanidade dos erros e das superstições da religião e que tornem odioso o governo tirânico dos príncipes e dos reis da Terra.“.

O padre Meslier era um solitário e clandestino, para espanto de todos na época, só postumamente é que foi descoberta a sua verdadeira faceta libertária. No silêncio da sua Igreja redigiu em segredo o seu Testamento, tal como o prova a adver­tência que anexou ao papel que envolvia o seu manuscrito, e que nos foi relatado por Voltaire: “Vi e reconheci os erros, os abusos, as vaidades, as loucuras e as maldades dos homens; odiei-os e detestei-os. Não o ousei dizer durante a vida, mas dí-lo-ei pelo menos ao morrer e depois da morte; e é para que se saiba isto que faço e escrevo a presente memória, para que possa servir de testemunho de verdade a todos os que a virem e a lerem, se a acharem boa.”.»

Este distinto desconhecido teve bastante influência nas revoltas sociais que poucas dezenas de anos depois começaram a acontecer e que têm continuado até aos dias de hoje.

Um comentário:

Ricardo Tomás disse...

Personagem interessante, apesar de "um pouco" radical, o que se compreende na medida em que os seus pensamentos não foram divulgados nem publicados em vida. Meslier trabalhou para o chamado "after death", na medida em que sabia que se apresenta-se as suas ideias no seu tempo, no dia a seguir provavelmente estaria enforcado com as suas próprias tripas, tal como defendia!Muitas vezes a sociedade ainda não se encontra preparada para escutar determinadas posições e Meslier soube entender isso perfeitamente!
Bom post amigo Hélder
Abraço