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domingo, 24 de maio de 2009

Municípios Participativos

Em ano de eleições autárquicas , penso que é pertinente reflectir um pouco mais sobre o estado do poder local no nosso país. Como tal, decidi colocar um pequeno artigo de opinião do Prof. Boaventura de Sousa Santos, o qual - apesar de ter sido publicado em 2002 - continua a ter grande actualidade.
Compreender e analisar aquilo que é hoje o poder autárquico e local, é de extrema importância no processo de mudança que gostaríamos que ocorre-se não só face aos resultados que têm sido alcançados no que concerne ao estímulo da própria Democracia / Cidadania, bem como perante tudo o que isso implica num futuro próximo e na qualidade do nosso sistema político e da nossa dita Democracia Participativa.

" Após o 25 de Abril, as autarquias locais foram investidas das mais ambiciosas expectativas democráticas. Esperava-se que, ao nível das autarquias, o exercício do poder político fosse mais próximo dos cidadãos e mais participado por estes, constituindo assim um cadinho de vivências democráticas fortes onde se geraria uma cultura política de cidadania activa capaz de neutralizar a cultura de submissão e de autoritarismo prevalecente até então no país. Para tornar tudo isso possível, o novo país democrático comprometia-se a descentralizar e regionalizar o poder político e administrativo.

Passadas quase três décadas é legítimo perguntar se essas expectativas foram realizadas ou, pelo contrário, frustradas e a resposta não pode deixar de pender para a frustração das expectativas. São duas as razões principais. A primeira reside em que, durante muito tempo, não foram dadas aos municípios as condições que lhes permitissem corresponder às expectativas neles depositadas. O poder central, não só não se descentralizou nem regionalizou, como foi avaro e inconsistente na transferência de recursos financeiros e outros para os municípios. Confrontados com um centralismo arrogante e com uma malha burocrática opaca e labiríntica, os autarcas recorreram às vias informais, aos contactos pessoais, às cumplicidades partidárias para acederem à administração central e, com isso, personalizaram e centralizaram o próprio poder local. Ao centralismo da administração central acabou por corresponder o centralismo da administração local, o chamado "cesarismo local". Daí o paradoxo do poder local no nosso país: Presidentes de Câmara fortes coexistem com um poder local fraco.

A segunda razão prende-se com a primeira: a estratégia usada pelos autarcas para se aproximarem do poder central afastou-os dos cidadãos. As assembleias municipais foram remetidas a um papel subalterno e as freguesias totalmente marginalizadas. E, acima de tudo, foi abandonado o propósito de transformar o poder local no berço da democracia participativa, através do envolvimento activo e organizado dos cidadãos e suas associações na governação local. Perdida a articulação da democracia participativa com a democracia representativa, o poder local afastou-se dos cidadãos e, assim, em vez de neutralizar a distância dos cidadãos em relação ao poder central, acabou por reproduzi-la.

À luz deste diagnóstico, o futuro do poder local está na democracia participativa. A força e a legitimidade que ela confere ao poder local são, a prazo, as armas mais eficazes para mobilizar a seu favor o poder central. As experiências bem sucedidas de planeamento e de orçamento participativos em 144 cidades brasileiras, em muitas outras cidades da América Latina e em algumas da Espanha, da França e da Itália começam a ser conhecidas entre nós e vão surgindo notícias do propósito de alguns municípios em instaurar mecanismos vários de democracia participativa. Estes são os sinais mais auspiciosos do futuro do poder local."

Boaventura de Sousa Santos, Centro de Estudos Sociais (CES), 2002.

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