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domingo, 6 de dezembro de 2009

Sinais do Tempo: "Circo em São Bento"


Editorial do Jornal "i" assinado por Francisco Camacho, de 5 de Dezembro do corrente:

"Ontem, a democracia fez má figura. Governo e oposição deram um novo vigor à desconfiança que os portugueses sentem pelas instituições.
(e com muita Razão registe-se!)

O primeiro debate quinzenal desta legislatura, que ontem de manhã animou a Assembleia da Republica e fez corar de vergonha os portugueses que assistiram ao espectáculo, serviu para agravar a sensação de vivermos num país encravado entre duas crises: uma crise económica e uma crise de confiança nas instituições. Na agenda de São Bento estavam as políticas económicas mas, apesar da sua pertinência, o tema não ocupou o espaço que era suposto merecer num país normal em dificuldades - ainda que pobre, normal. A discussão sobre os problemas que afectam directamente a vida dos portugueses (desemprego, falência de empresas, impostos) foi engolida pelo despique entre o governo e a oposição por causa do processo Face Oculta e das escutas ao primeiro-ministro, que se exaltou como nos tempos de líder absoluto.

A oposição queria ouvir Sócrates confirmar as suspeitas de "espionagem política" levantadas pelo ministro Vieira da Silva. Não conseguiu. Conseguiu, sim, enervá-lo e conduzi-lo para um discurso entre o tom melodramático e o insulto. Se Sócrates não surpreendeu ao falar em "assassinato de carácter", terá deixado muita gente de queixo caído quando chamou histérico a Paulo Portas e o mandou portar-se "com juizinho". (típica expressão do pré-escolar e do ensino primário)

Sim: ficou a saber-se que o ordenado mínimo vai aumentar 25 euros, que a contribuição social das empresas descerá 1 por cento e que as empresas devedoras ao fisco vão ter o dobro do tempo (de 60 para 120 meses) para regularizar os impostos. Só que o anúncio destas medidas foi ofuscado pelo arraial na casa da democracia. De dedo em riste, o primeiro-ministro exigiu uma oposição mais responsável e a oposição um primeiro-ministro mais transparente. Na verdade, exigiu-lhe o impossível. Desafiou-o a provar que a desconfiança de que é alvo, e que se desdobra em numerosos casos com diferentes graus de importância, corresponde a um somatório de coincidências. PSD, CDS e BE foram todos juntos às canelas de Sócrates com uma ferocidade que dispensou concertação, porque os anticorpos e a desconfiança que o chefe do governo tem gerado não escolhem sensibilidades políticas. No fundo, verificou-se o que o i ontem anunciava: o primeiro-ministro foi apertado por uma oposição que não lhe vai facilitar a vida. A estabilidade política, pelo menos no campo da retórica, não é prioridade de nenhum dos partidos. O clima de agressividade na Assembleia foi a prova de que as emoções falam mais alto do que a razão num momento que exigia frieza. (Enfim, nada do qual já não estejamos habituados)

O que também ficou evidente ontem é que Sócrates continua a pagar pelo seu historial de arrogância. A pose do primeiro- -ministro no Parlamento foi a de um professor autoritário, mas já sem mão nos alunos rebeldes, que acusou de irresponsabilidade, golpes baixos, coscuvilhice e histeria. Pouco importa que tivesse dito que a ideia de Ferreira Leite de divulgar as escutas seja resultado de uma liderança social-democrata desesperada e moribunda. Grave é que, por momentos, o primeiro-ministro tenha personificado a imagem do desespero no duelo com os líderes partidários.

A maior façanha no circo de São Bento (curiosa expressão) consistiu em falar muito de justiça, sem nunca tocar no que interessa (0 que contribui muitíssimo para a pobreza do debate político em Portugal):

as entropias do sistema e a péssima impressão (confirmada ontem por mais uma sondagem) que os portugueses têm dos tribunais e do Ministério Público. Sócrates insistiu no terrível crime de violação do segredo de justiça sempre que o caso das escutas entrou na discussão. Esqueceu- -se de que, neste momento, a ideia de impunidade preocupa muito mais os portugueses. E se Sócrates é um homem inocente, a verdade crua e nua é que a sua presunção de inocência está seriamente comprometida aos olhos dos portugueses. Sócrates não desiste e só a história lhe dará ou não razão. Acontece que histórias assim neste país tardam a ter um fim. E a democracia, como ontem se viu, é que paga." in Jornal "i" de 05/12/2009

Resumindo, pegando a título exemplificativo neste texto de Francisco Camacho, quando se fala em debate político em Portugal e se por mero acaso quisermos compilar um conjunto de palavras e expressões associadas ao mesmo, podemos nessa compilação encontrar:

- Hostilidade;
- Desconfiança;
- Vergonha;
- Exaltação;
- «Espionagem Política»;
- Melodramatismo;
- Insultos;
- «Assassinatos de carácter»;
- Histerismo;
- «portar-se com juizinho»;

- Desrespeito;
- Arraial;
- Circo;
- «Dedo em riste»;
- Ferocidade;
- «Ir às canelas»;
- Anticorpos;
- Arrogância;
- Autoritarismo;
- «alunos rebeldes»;
- Irresponsabilidade;
- Golpes baixos;
- Coscuvelhice;
- Desespero;
- Impunidade;
- Entropia;
- Etc...

Será que deste modo é possível delinear alguma linha de orientação estratégica para o futuro do país com um debate político tão pobre e medíocre do ponto de vista intelectual?


Será a actual classe política a representação do povo que somos? ou será que tem sido o povo português ao longo dos tempos um resultado da classe política e dirigente que desde há muito nos (des)governa (ingenuamente ou não)?

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